Pasteurianos
Com o aperfeiçoamento de suas pesquisas, Pasteur precisa se cercar de estagiários, com tarefas de grandes responsabilidades: alimentar os micróbios (culturas em desenvolvimento) e controlar o desenrolar das experiências.
Os estagiários são quase todos saídos da École Normale Supérieure e voltam a lecionar depois do estágio no laboratório. O amigo da juventude de Pasteur, o físico Pierre-Augustin Bertin, é quem os seleciona para ele, que escolhe entre seus próprios alunos.
Jules Raulin pertencia à primeira geração de estagiários, na época da química fermentativa. Passou a fazer parte da história das ciências como inventor de um novo caldo de cultura. Era um dos alunos preferidos de Pasteur e terminou sua carreira como professor de química industrial em Lyon.
Raulin e Eugène Maillot ajudaram Pasteur no laboratório da Rua Ulm, inclusive logo após o seu primeiro AVC aos 45 anos. Eles iam até a casa de Pasteur para receber as ordens do dia e dar a continuidade aos experimentos (Debré, 1995, p. 521; Garozzo, 1974, p. 116).
Jules Joubert colabora até a época do início das pesquisas em biologia médica. Como é físico, interrompe a colaboração com Pasteur para se voltar aos campos magnéticos. Charles Chamberland o substitui. Tem 27 anos quando entra para o laboratório. Suas origens no Jura despertam a simpatia de Pasteur. Alegre e bon vivant, possui uma mente engenhosa e aprecia a inovação técnica. Devemos a ele a invenção da autoclave. Uma curiosidade: ao se queixar de numerosos furúnculos no pescoço, nuca e coxa, Pasteur o examina e propõe uma experiência: colhe um pouco de pus de sua nuca e o cultiva. Deste modo, descobre o estafilococo, o mais frequente dos germes patogênicos (Debré, 1995, p. 384-385). Chamberland, no Instituto Pasteur é quem orienta o serviço das vacinas (Debré, 1995, p. 521).
Louis Thuillier é designado como novo estagiário, escolhido por Bertin, e se dedica ao estudo da erisipela suína. Pasteur cria grande amizade pelo jovem e fica muito abalado com a sua morte precoce no Egito, com apenas 26 anos, onde havia ido estudar a cólera.
Dentre todos os colaboradores no laboratório da Rua Ulm em Paris, é preciso destacar três que tiveram um papel especial ao lado de Pasteur: Duclaux, Roux e Loir.
Émile Duclaux chega em 1862, em plena época da discussão sobre as gerações espontâneas. Mesmo atuando como professor de química, participa ativamente dos trabalhos de Pasteur, tanto na época do bicho-da-seda como nos estudos do vinho. Ele se torna o diretor técnico do laboratório. Muito ordeiro, controla para que tudo fique no lugar. É a ele que procuram quando é necessário tomar alguma decisão e não querem incomodar Pasteur.
Diante das respostas de Pasteur a todos os seus contestadores, Duclaux, pela proximidade afetiva, escreve a Pasteur “enxergo perfeitamente o que o senhor perde nessas lutas: seu descanso, seu tempo, sua saúde. Procuro, em vão, o que o senhor pode ganhar com isso” (Debré, 1995, p. 364). No Instituto Pasteur, Duclaux é o responsável pela microbiologia geral (Debré, 1995, p. 521).
Após a morte de Pasteur em 1895, Duclaux tornou-se diretor do Instituto, com Roux e Chamberland servindo como seus sub-diretores. Várias cartas de Pasteur atestam a autoridade que ele confere a Duclaux no seio desta equipe encarregada dos preparativos essenciais e emergências sucessivas: primeira redação dos estatutos, constituição da assinatura destinada a financiar o projeto, postagem diária de resultados, organização administrativa, primeiras aquisições de terrenos, construção de edifícios, acolhimento de jovens cientistas.
Duclaux é quem apresenta Émile Roux a Pasteur. Na época, ele era um jovem estudante de Medicina e um dos mais assíduos ouvintes dos debates de Pasteur na Academia de Medicina. Sua chegada começa com a aplicação de uma injeção na ausência de Pasteur, o que contrariou Pasteur, mas a continuação da experiência mostrou que o jovem sabia o que estava fazendo, então Pasteur o escolheu como estagiário (Debré, 1995, p. 360, 379).
Roux foi descrito como uma pessoa solitária, sem ambição aparente. Ele se tornará o mais próximo colaborador de Pasteur (Debré, 1995, p. 360, 379). Roux se torna, nas palavras de Debré (1995, p. 531-532) o campeão das terapias antiinfecciosas, com imensas contribuições na cura da difteria, por exemplo.
É considerado também o discípulo mais contraditório de Pasteur. Em certas ocasiões ele não hesitava em se opor ao mestre, apesar de respeitar a hierarquia e os 30 anos de diferença de idade que os separavam. Quando Pasteur chegava a algum resultado, construía uma teoria e a expunha, Roux nunca deixava de procurar uma falha, o que se tornou irritante para Pasteur, que reclamava: “como esse Roux é desagradável. Se eu o escutasse, ele poria fim em qualquer coisa que eu quisesse realizar” (Debré, 1995, p. 379).
O caráter de Roux é descrito como muito particular. Ele compreendia que a calma e a concentração eram as palavras mestras do laboratório, e embora fizesse críticas constantes, isso não o impedia de conservar o silêncio e de servir de filtro entre Pasteur e o mundo exterior. Na hora certa, por exemplo, se desembaraçava dos rivais de Pasteur, mantendo-os à distância.
Durante 8 anos, Roux será o único médico admitido no laboratório da Rua Ulm. Ele se torna um inoculador de profissão, sabendo, por exemplo, injetar precisamente os germes (Debré, 1995, p. 382).
No Instituto Pasteur, Roux é o responsável pela microbiologia médica técnica (Debré, 1995, p. 521). Roux dedicou 46 anos de sua vida ao Instituto Pasteur. Foi ele quem recomendou Oswaldo Cruz às autoridades brasileiras para a criação de um laboratório (Lima; Marchand, 2005, p. 33).
Roux foi um dos mais próximos colaboradores de Louis Pasteur, cofundador do Instituto Pasteur e descobridor do soro anti-difteria, a primeira terapia efetiva contra esta enfermidade. A Rua do Instituto Pasteur em Paris, se tornou Rua Doutor Roux.
Adrien Loir, sobrinho de Pasteur (filho da irmã caçula de Marie, Amélie), começa atuando como um estagiário onipresente, com o qual Pasteur pode contar, especialmente para completar seus movimentos devido ao braço paralisado. Pasteur dá suas diretrizes e traça planos dos ensinamentos ao seu sobrinho: aprender a soprar o vidro, assimilar as bases da cristalografia, melhorar a letra em curso de caligrafia. Uma curiosa relação se estabelece entre tio e sobrinho. Loir escreve, em tom de reclamação, que Pasteur o usava para realizar o que sua mente concebia. Também escolheu a formação que ele deveria fazer, no caso, Medicina (Debré, 1995, p. 381).
A pedido de Pasteur, Loir vai à Rússia (Debré, 1995, p. 497), à Austrália (ficará por 5 anos) e lá fundará o primeiro Instituto Pasteur além-mar (Debré, 1995, p. 527, 528). Também funda o Instituto Pasteur de Túnis (Tunísia - norte da África) quando volta da Austrália (Debré, 1995, p. 541). Loir recorda que Pasteur era bastante influenciado pela visão de Duclaux, e que se tornava calmo e se punha a trabalhar, diferentemente de Roux (Debré, 1995, 379).
Pasteur se cerca de personalidades científicas notáveis, construindo uma rede de inteligências (Debré, 1995, p. 407). Além de dar seguimento às suas pesquisas, são também responsáveis pelo ensino e formação dos alunos (Debré, 1995, p. 522).
Quando Pasteur ouve falar das descobertas do russo Élie Metchnikoff (ou Metchnikov) sobre a fagocitose, manda publicar seus trabalhos nos Anais do Instituto Pasteur e lhe outorga um duplo posto: diretor do laboratório de microbiologia morfológica e chefe de serviço no Instituto Pasteur (Debré, 1995, p. 521, 533-534).
Metchnikoff trabalhou na mesma estação bacteriológica na Rússia que Nicolas Gamaleia (Nikolay Gamaleya), que foi diretor do Instituto da Raiva na cidade de Odessa. No Instituto Pasteur, Gamaleia é o responsável pela pesquisa em microbiologia médica (Debré, 1995, p. 521).
Joseph Grancher dirige, no Instituto Pasteur, o departamento da raiva com André Chantemesse (Debré, 1995, p. 521).
Albert Calmette entra para o laboratório de Roux em 1890. Ele era médico da marinha. Apaixonado pela microbiologia levava consigo um microscópio em todas as campanhas e andava atrás de micróbios em várias partes. Mostra seu trabalho a Roux, que logo fica impressionado. Trabalha por um tempo em Paris. Pasteur, para aproveitar a experiência na Indochina, o envia para fundar em Saigon um laboratório de preparação de vacinas antivariólicas e anti-rábicas, que será o Instituto Pasteur de Saigon (Debré, 1995, p. 537). Pouco antes de morrer, Pasteur confia a Calmette a missão de criar e dirigir um Instituto Pasteur em Lille. É neste momento que Calmette começa com Camille Guérin suas pesquisas sobre o bacilo da tuberculose que terá como resultado a vacina BCG.
No curso de microbiologia que fez no Instituto Pasteur, Calmette encontrou um jovem médico, que tinha sua idade: Alexandre Yersin, que foi à Paris preparar sua tese de Medicina sobre tuberculose. Ao mesmo tempo, ele trabalhava na Santa Casa de Misericórdia na unidade de Charles Richet, onde fazia a necropsia de pacientes que morriam de raiva. No local, durante uma necropsia, encontra Roux e eles se entendem profundamente. Em 1886, Yersin passa todas as tardes no laboratório na Rua Ulm onde assiste Roux nas preparações e se torna o estagiário pessoal de Roux. Pasteur o encarrega de fazer os curativos nos doentes. Desde a criação do Instituto Pasteur, ele vai participar, aos 25 anos, dos primeiros trabalhos sobre a toxina diftérica (Debré, 1995, p. 538, 522, 531).
Yersin, de caráter ansioso, não se habitua à lenta rotina do Instituto Pasteur e quer correr o mundo. Engaja-se como médico a bordo de um navio-correio e desembarca no Vietnã. Em Saigon, encontra-se com Albert Calmette que o encoraja a montar expedições, que ele faz várias. Em 1894 uma grave epidemia de peste aparece na China e o governo da Indochina lembra que Yersin havia trabalhado no Instituto Pasteur, e o enviam a uma missão. Ele vai até Hong-Kong prestar socorro e monta lá um pequeno laboratório e lá descobre o bacilo da peste e consegue montar o soro contra a peste. Além disso, consegue provar que os ratos estão na origem da epidemia (Debré, 1995, p. 538-539). No fim da vida, na última visita que Pasteur faz ao laboratório, pede para examinar os bacilos da peste que Yersin havia isolado. Seria sua última observação ao microscópio (Debré, 1995, p. 546-547).
Charles Nicolle teve pouco tempo de conhecer Pasteur antes de sua morte. Suas contribuições na microbiologia renderam um prêmio nobel em Medicina. Ele trabalha como estagiário ao lado de Élie Metchnikoff e também ajuda Roux. O irmão mais velho de Charles, Maurice, foi enviado por Roux para fundar o Instituto Pasteur em Constantinopla.
André Chantemesse foi enviado por Pasteur para estudar as causas das epidemias de cólera, sugeriu fundar um laboratório de microbiologia na Turquia. Em 1887 foi criada a Instituição de Tratamento da Raiva, a primeira do Oriente (Debré, 1995, p. 540). Nicolle é solicitado a dirigir o Instituto Pasteur de Túnis, na Tunísia, criado por Adrien Loir em sua volta da Austrália. Em Túnis estabelece que a leishmaniose é transmitida pelo piolho, além de identificar também este piolho como o vetor do tifo. Ganha um Prêmio Nobel (Debré, 1995, p. 541).
Jules Bordet é o último dos grandes pasteurianos desta geração. Entra no Instituto Pasteur em 1894 e trabalha com Metchnikoff. Descobre os anticorpos, os antígenos, e inventa os princípios do sorodiagnóstico das afecções microbianas. Em 1901, quando regressa ao seu país, a Bélgica, pede e obtém de Marie Pasteur, depositária do Instituto Pasteur, o direito de batizar o nome de seu laboratório de Instituto Pasteur de Brabante. Em Bruxelas descobre o bacilo da coqueluche e estuda a coagulação do sangue. Em 1919, ao ganhar o Prêmio Nobel de Medicina, homenageia Pasteur.
Os próprios colaboradores de Pasteur se autodenominavam “pasteurianos” (Masi, 1999, p. 112).
Referências:
DEBRÉ, Patrice. Pasteur. São Paulo, SP: Scritta, 1995.
GAROZZO, Filippo. Louis Pasteur. Rio de Janeiro, RJ: Três, 1974.
MASI, Domenico de (org.). A Emoção e a Regra: os grupos criativos na Europa de 1850 a 1950. Rio de Janeiro, RJ: José Olympio, 1999.
Pasteur e parte de seus colaboradores em 1894. | Laboratório no Instituto Pasteur em Paris. | Émile Duclaux. |
---|---|---|
Charles Chamberland. | Adrien Loir. | Albert Calmette |
Élie Metchnikoff | Alexandre Yersin. | Louis Thuillier. |