Vacinação: Raiva
Para designar o micróbio invisível da raiva, Pasteur usa a palavra “vírus”. Ele mantém este termo porque é mais abstrato, porque torna o contágio uma força nociva que é exercida no organismo. Ele adivinha a existência de um vírus porque espera por ele, sem nunca duvidar de sua existência pelo fato de não poder vê-lo (Debré, 1995, p. 463).
Nesta etapa, Pasteur se dedica à patologia humana, e ultrapassa a abordagem profilática para inventar uma imunoterapia ativa, o tratamento por estimulação da imunidade.
Pasteur se lembrava da angústia de ouvir o comentário de um lobo com raiva que andava na região de Arbois e mordia homens e animais. Na época ele tinha 8 anos. Estudar a raiva seria um benefício para a humanidade e um triunfo para a difusão das descobertas sobre a vacinação.
No estudo experimental da raiva, Pasteur tem um predecessor, Pierre Victor Galtier, que comunica à Academia de Medicina, da qual Pasteur faz parte, uma nota que chama a atenção de Pasteur: mostrou que os coelhos eram os melhores animais para desenvolverem a raiva, depois da inoculação, de cachorros suspeitos. Pasteur faz um experimento, mas percebe que o coelho morre rápido demais para que seja “raiva”.
De modo cauteloso, analisa o sangue dos coelhos mortos no laboratório e sua descrição o leva a revelar a descoberta do pneumococo.
Para os adversários de Pasteur, encabeçados por Michel Peter, essa descoberta prova que não é possível acreditar nos micróbios, e diz “Pasteur pretende trabalhar com a raiva, e na verdade estuda outra afecção?”.
Com a ajuda de Chamberland, Roux e Thuillier, Pasteur começa a estudar a raiva, e se apoia em trabalhos anteriores, não só de Galtier, mas também de Henri Duboué. Este médico envia seus trabalhos a Pasteur e se mostra particularmente interessado em tudo o que diz respeito à localização evidente da doença na substância cerebral.
Depois da morte de Claude Bernard, Pasteur se torna o alvo principal dos antivivissecionistas, Inclusive na Inglaterra. Em defesa de Pasteur, Charles Darwin declara que “a fisiologia não poderá avançar se suprimirmos experiências com animais vivos, e tenho a íntima convicção de que retardar o progresso da fisiologia é cometer um crime contra o gênero humano” (Debré, 1995, p. 482).
O primeiro paciente tratado por Pasteur será Joseph Meister, uma criança de 9 anos que foi atacada por um cão raivoso. Ele e sua mãe correm até Pasteur pedindo ajuda. Pasteur conta 14 lesões de gravidade alarmante, mas a circunstância favorável é de que as mordidas são recentes. Antes de se pronunciar, Pasteur consulta dois médicos nos quais confia plenamente: Alfred Vulpian (seu colega na Academia de Medicina), que é um dos médicos mais respeitados de sua época. Ele é membro da Comissão Oficial da Raiva, criada pelo governo, a pedido de Pasteur, para controlar e avaliar as pesquisas em curso sobre a doença. Diante do exame do paciente Joseph Meister, diz a Pasteur que acha o caso sério o suficiente para que se justifique esta primeira tentativa de vacinação. O outro médico é Jacques-Joseph Grancher, um jovem doutor chefe da unidade de Pediatria do Hospital Enfants-Malades, que associa um excelente conhecimento de microbiologia e a especialização em pediatria. Grancher também aconselha a Pasteur administrar o tratamento anti-rábico. Estes dois médicos examinam o paciente e realizam as inoculações, o que é de grande felicidade para Pasteur, tendo em vista que precisa de um médico para fazer as injeções, e Roux se opõe frontalmente, recusando, inclusive, a assinar os protocolos de estudo (Debré, 1995, p. 489).
O tratamento é um sucesso e Pasteur continua a se interessar pela educação do menino, inclusive abrindo-lhe uma poupança para suas pequenas despesas. Os Meister pedem a Pasteur ajuda para arranjar um emprego ao pai, pois como são da Alsácia, querem sair da tutela alemã. Pasteur faz todo o possível para ajudar a família. Futuramente, Joseph será empregado como guarda do Instituto Pasteur (Debré, 1995, p. 492). Em 1940, quando os alemães invadiram Paris, querem entrar no túmulo de Pasteur e de Marie. Eles encontram a oposição de Joseph Meister, zelador do Instituto. Ele se recusa a abrir os portões da cripta, e numa profunda depressão, ele se tranca em seu pequeno alojamento e acaba cometendo suicídio (Debré, 1995, p. 548).
O segundo paciente será Jean-Bapiste Jupille, um jovem de 15 anos. O tratamento também é realizado com sucesso e há grande repercussão na imprensa, com o jovem se tornando uma “celebridade”. Futuramente, este também será empregado como porteiro do Instituto Pasteur, assim como Meister (Debré, 1995, p. 492-493).
O mesmo sucesso não ocorre com a criança Louise Pelletier, que só é levada a Pasteur 37 dias após ser mordida por um cachorro raivoso, com lesões supurando. Pasteur sabe que o prazo é muito longo e que caminha para o fracasso do tratamento. Contudo, ele se dobra diante da insistência dos pais e diante do sofrimento da criança. Poucos dias depois a criança falece, no mesmo dia do enterro do amigo Henri Bouley, da Academia de Medicina e Academia de Ciências. Os adversários de Pasteur tentam explorar o drama, mas não conseguem abalar a confiança geral no tratamento (Debré, 1995, p. 495).
A notícia do tratamento da raiva atravessa oceanos, e 4 crianças norte-americanas são tratadas em Paris e são salvas, trazendo uma publicidade de proporções inesperadas. Poucos meses depois, é a vez de a Rússia apelar para Pasteur e 19 vítimas também são tratadas. Devido ao longo tempo até chegarem a Paris, algumas já estão em estado muito grave, mas 16 se curam. Sabendo do sucesso, o príncipe Alexandre Oldenburg decide fundar em São Petesburgo um laboratório anti-rábico. Adrien Loir é quem vai para a Rússia. O tratamento se difunde e logo também se vacina em Londres, Viena, na Versóvia, e outros. As pessoas vêm de toda parte para o laboratório na Rua Ulm. Pasteur afirma em 1886 que de 1.235 franceses (França e Argélia) tratados preventivamente contra a raiva, o tratamento só foi ineficaz para 3, e diz, “desafio qualquer um a contradizer esses fatos e asserções” (Debré, 1995, p. 497).
No entanto, por mais eloquentes que sejam os números apresentados, os adversários de Pasteur procuram as menores falhas, fazendo com que ele tenha que se justificar constantemente. Michel Peter, um dos mais obstinados oponentes de Pasteur, continua a atacá-lo. Há vezes em que Vulpian é quem responde as controvérsias, defendendo Pasteur. No entanto, há aqueles que acusam Pasteur de homicida, inclusive na Faculdade de Medicina. Alguns alunos se dividiam entre pasteurianos e antipasteurianos e trocavam socos por causa disso (Debré, 1995, p. 498-501).
Roux continua denegrindo o método e as críticas diárias chegam a impressionar os mais fiéis colaboradores, em particular Adrien Loir. Os ataques repetidos de Peter e a desconfiança de Roux modificam a atmosfera do tratamento, e Pasteur tem dificuldades em convencer os médicos a respeito da eficácia do método. Mesmo com os ataques, inclusive dos jornais da época, Pasteur se mantém seguro de suas convicções, mas já se encontra com mais de 60 anos e começa a sentir alterações do ritmo cardíaco. Cedendo às orientações dos médicos, aceita fazer um pouco de repouso e viaja com a família para a Itália (Debré, 1995, p. 501-504).
Os raros fracassos do tratamento são explorados. Por isso, depois de cada morte, Pasteur levanta provas para se defender. Um dos primeiros casos, que transforma a vida no laboratório é de Jules Rouyer, é de uma criança mordida que é tratada. Depois, falece logo após receber um pontapé na região lombar. O médico legista solicita necropsia. Pasteur está na Itália de férias com a família, então Loir vai até o necrotério acompanhado de um delegado de polícia, onde a necrópsia é feita na sua presença e de Grancher. Roux pede que enviem o bulbo raquiano, pois é o único modo de saber se a criança morreu de raiva. No dia seguinte, duas testemunhas, hostis ao método de Pasteur comparecem à necropsia: um conselheiro municipal, Adolphe Rueff e o médico Georges Clemenceau, defensor da geração espontânea e opositor de Pasteur. O médico legista, Paul Broudael observa a disfunção renal provocada pelo pontapé. No laboratório de Pasteur identificam também o vírus da raiva. Broudael sabe que se colocar no relatório as duas doenças como causa da morte, a responsabilidade de Pasteur será questionada e se recuaria 50 anos na evolução da ciência (em suas palavras), então opta por colocar apenas insuficiência renal. Posteriormente, após a inoculação em coelhos que ficam bem e não morrem, comprova-se definitivamente a versão oficial da morte dada por Broudael.
Pasteur também precisou lidar com os ataques hostis das revistas especializadas e de publicações da imprensa geral, especialmente alemãs e italianas, e responde cada um dos argumentos. Contudo, só excepcionalmente escreve em jornais de grandes tiragens, preferindo atuar por meio de comunicações acadêmicas. No entanto, Grancher, Vulpian e Charles Richet o defendem sempre que necessário, publicando numerosos artigos que se propagam por toda a França.
Referências:
DEBRÉ, Patrice. Pasteur. São Paulo, SP: Scritta, 1995.
PASTEUR VALLERY-RADOT, Louis. Images de la Vie et de l´Œuvre de Pasteur. Paris, França: Flammarion, 1956.
Doenças e vacinas. | Cão raivoso. | Coleta de saliva de cão raivoso. |
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Pasteur e coelhos usados nos experimentos. | Pasteur em seu laboratório na École Normale Supérieure em 1885, segurando o frasco contendo a vacina anti-rábica. Óleo sobre tela de Albert Edelfelt, 1886. | Joseph Meister, por volta de 1885, quando recebeu a vacina anti-rábica desenvolvida por Pasteur. |
Pasteur e Jean-Bapiste Jupille, um jovem de 15 anos que foi o segundo paciente vacinado. | Pacientes russos de Smolensk em 1886. | Pacientes árabes e bretões em 1890. |
Pasteur, Metchnikoff, pacientes e equipe de apoio ao serviço de vacinação. | Pasteur rodeado de pacientes que buscam seu laboratório para a vacinação anti-rábica. | Conferência antipasteuriana. |